domingo, 11 de janeiro de 2009

Parada: Porto Velho 3 - Parte 4

A noite de sexta-feira terminou às 6h da manhã de sábado. Às 14h Robson passou no hotel onde me hospedo e rumamos para o bairro Caiari, o mais antigo e tradicional da cidade. Seria a primeira noite do Bloco do Galo da Meia-Noite no carnaval 2009. Sim, o carnaval em PV começou ontem.

Lá encontrei figuras da velha guarda da cidade, que fundaram o Galo, maior e mais tradicional bloco carnavalesco de PV, que chega a reunir mais de 50 mil pessoas nos dias de desfile. Ontem foi apenas uma concentração, e até o final de fevereiro o evento se repetirá, sempre aos sábados.

Conheci Bodó (nome de um peixe), figura carismática, panca de malandro, conhecedor das manhas e das manhãs, parafraseando Almir. Um dos fundadores do Galo. Histórias, histórias, histórias. Uma overdose de casos turbinados pela cerveja. Certo momento pensei: "Porra, um mineiro que chega em PV, sem conhecer nada, vir parar nessa boêmia é uma sorte danada". Bodó conversou muito comigo sobre a cidade, sua fundação, seu povo, seus pecados, suas virtudes. Se orgulhava muito de uma coisa: a união entre as pessoas. Segundo ele, quem aqui se fez não abandona o chapa de maneira alguma, pois companheirismo é coisa levada muito a séria em PV. Um caso, não o melhor, mas o que me lembro perfeitamente: "Um dia tinha bebido pra caralho num bar desses aí. Sem grana pra chegar em casa, resolvi dormir na casa de minha mãe, bem mais perto. Resolvi atravessar o Mucambo, a favela barra pesada da cidade, ia encurtar o caminho demais. Tinha uns dez anos que não ia lá. Na entrada do Mucambo um vagabundinho veio me intimar, perguntando o que eu tava fazendo ali. Mandei o moleque tomar no cu, mandei ele se criar primeiro. Ele arregalou os olhos com minha resposta e disse que iria me escoltar até o outro lado. O engraçado é que à medida que íamos andando todo mundo vinha me cumprimentar, 'e aí Bodó', e o moleque foi ficando besta de ver. No fim das contas descobri que ele tava mais sujo que poleiro de galinha com a turma da favela e eu acabei limpando a área pra ele. A moçada me viu com ele e amaciou, o desgraçado já tava com a cova pronta". Não anotei quase nada porque estava lá para me divertir, chapar uma com os tradicionais bebuns da área. E acho que se estivesse anotando algo a abertura deles comigo seria muito mais limitada.

Assim como Bodó conheci vários outros boêmios, todos da turma do Galo. Gente de tudo quanto é canto, não só de Porto Velho. Como já disse, PV é uma cidade de misturas. Desde sua formação, quando recebeu ingleses, espanhóis, jamaicanos e mais uma sorte de imigrantes, até sua consolidação, nos idos de 1970, vários povos aqui tomaram assento e formaram um caldeirão cultural que, sinceramente, ainda não tinha visto.

A bebedeira rolava solta quando apareceu uma figuraça. Já passava das 19h. A malandragem em pessoa, Orlando, carioca, morador de PV desde 1981. A história de sua chegada aqui é interessantíssima. Orlando é músico e certa vez veio fazer um show na capital de Rondônia. Se engraçou com uma menina e partiu com ela para um hotel. Iria tomar o avião de volta para o Rio às 18h. Mas se esqueceu de um pequeno detalhe: o fuso horário de Rondônia, 1h a menos que Brasília. Resultado: avião perdido e perdido ficou Orlando no aeroporto.

O show da noite anterior tinha sido um sucesso. O prefeito da cidade estava embarcando no exato momento em que Orlando estava pensando o que iria fazer. A grana era curta, não que ganhasse pouco, mas gastava muito. Aquela história, mulher, noite, parará, vocês sabem como é. Eis que o político o convidou para vir morar em Porto Velho, com emprego garantido na Prefeitura, desde que não cessasse a sua música. No melhor estilo porra-louca, Orlando sequer deu um tchau para sua família no Rio e na mesma noite já estava chapado em PV, destilando sua música.

O melhor vem agora: sabem com quem o sujeito tocava no Rio? Jorge Ben. Participou das gravações de Negro é Lindo, Tábua da Esmeralda, Solta o Pavão e outros discos. Orlando não era componente oficial da Banda do Zé Pretinho, era free lancer, convocado regularmente nos tempos de gravação de discos. Além de Jorge, tocou com Clementina de Jesus, Tim Maia e uma porção de músicos de alto gabarito, dos quais não me lembro agora. Sabem como é, àquela altura já estava arrumado. Ele disse que era parceiro do Tim Maia. Quando iam fumar um, na praia, Tim apertava aquela tora e, com a cabeça feita, não suportava ficar sozinho de jeito nenhum, sequer um banho no mar Orlando podia tomar sem ele. "O Tim era o homem mais medroso que conheci, isso com aquele tamanho todo", contou.

E assim foi a tarde inteira e grande parte da noite. Saí do Caiari depois das 23h. Chapado e tranquilo. Enfim Porto Velho se mostrou. Bem diferente do que imaginei e escrevi em posts anteriores. Uma lição aprendida: não emita opiniões antes de saber qual a composição do terreno em que você pisa. O tapa de luva será certo, assim como o que eu levei. Felizmente, para o bem.

PS: Após escrever isso tudo o cansaço chegou. No próximo post quero fazer um breve relato sobre Jirau, a hidrelétrica que está sendo construída no Madeira, próxima a Porto Velho. Os porto-velhenses não estão gostando nem um pouco dessa história.

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