terça-feira, 28 de novembro de 2006

A Universidade que Entristece


Inicio este texto com uma pergunta: quantos de nós já presenciamos um colega de universidade bradar impropérios contra seu próprio curso, ou mostrar-se abatido e infeliz com o que faz, assumindo uma posição passiva em sua vida acadêmica? Creio que a maioria já se deparou com essa situação, ou até já a viveu.

Assusta hoje um fenômeno que, infelizmente, é cada vez mais recorrente, prejudicial aos jovens que dispõem de estrutura financeira e psicológica para estudar. É quase que obrigatório adentrar em alguma instituição de ensino superior, na busca pela qualificação que propiciará, pelo menos teoricamente, um posto no mínimo razoável no mercado de trabalho.

Sem um diploma de graduação, as chances de se conseguir um emprego relativamente rentável e satisfatório são mínimas, praticamente inexistentes. Esse quadro se deve à era mercadológica, ávida pela produtividade robótica, pela eficiência maquinal, pela especialização que nubla uma visão mais ampla e complexa da realidade. Rubem Alves, tratando da escola como um todo, valeu-se de uma metáfora ímpar para descrever esse quadro. Sua visão é a de que as instituições de ensino transformam os alunos em quibes, colocando-os na estufa do mercado, à mercê dos olhos e do gosto de quem detém o monopólio do trabalho.

Esta nova configuração gera imperfeições grotescas, a começar pela mercantilização do ensino. Faculdades são abertas em ritmo frenético, cardumes de novos alunos são fisgados como que num navio pesqueiro, e não há a preocupação por parte das escolas de realizarem aquilo a que deviam se prestar: a formação humanística do ser, qualificando não somente sua técnica, mas também sua consciência. É raro encontrar verdadeiras universidades atualmente. O que se vê são edificações, algumas sustentando uma suntuosidade faraônica, motivadas única e exclusivamente pelo lucro.

No que se refere ao aumento crescente de alunos matriculados em universidades e faculdades, pode-se descobrir uma outra anomalia. A pesquisa, suposta engrenagem de qualquer instituição de ensino superior, não é realizável por qualquer um. Não basta querer pesquisar, é preciso saber pesquisar, é necessário dispor de olhos artísticos para arrancar dos bastidores da vida fenômenos despercebidos pela maioria, para assim expô-los de maneira inteligível. É legítimo afirmar que todo grande pesquisador possui um dom, assim como qualquer músico, fotógrafo ou pintor.

Uma minoria foi gracejada pela natureza com esse dom, mas como todos se vêem compelidos a adquirir um diploma de graduação na busca por um porto seguro, acabam se perdendo nos corredores universitários. Sentem-se deslocados, desmotivados, navegantes de uma eterna marola que não os levará a águas mais profundas e agitadas. Formam-se, rasamente, sustentam a jornada diária do labor, ruminam o dia a dia, seguem o curso que alguém lhes traçou. Talentos variados são esquartejados por essa imposição irresistível.

Não vislumbro soluções para tais distorções, talvez algumas marginais, mas nenhuma que atinja o problema de maneira completa. O modelo de vida que enlouquece mentes e corações é algo enraizado e já naturalizado, e só será modificado com graves fissuras ideológicas, sociais e econômicas. Ao menos já compreendo melhor meus colegas reclamões e a mim mesmo.

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

O Mosquito


Alguns dizem ser o leão. Outros, o búfalo selvagem africano. Existem ainda partidários do tigre, do tubarão, do rinoceronte, do urso ou até mesmo do ser humano. Eu, modestamente, elejo o mosquito como o ser mais corajoso e realizado que já habitou nosso planeta.

Pensem comigo. Num vôo que a primeira vista pode parecer desordenado, cambaleante, ele se aproxima. Alia coragem à sagacidade, pois só é realmente percebido quando toca nossa epiderme. O mosquito elabora um plano, nos rodeia e nos rodeia incansavelmente, e só depois da certeza de estar invisível, aterrissa.

Inutilmente, com movimentos tão morosos que chegam a ser patéticos aos olhos do pequeno inseto alado, tentamos golpeá-lo. Para o mosquito, nosso tamanho infinitamente superior não é problema. Ele não nos teme, pois tem a certeza de sua vitória. Armadilhas, por mais que nos esforcemos, não são suficientes para detê-lo.

Nossas mãos vão passando uma, duas, três vezes, rasgando o ar, e nada. O ínfimo ser não se deixa abalar. Insiste, vai e volta, até conseguir nos possuir. E ainda se posta de maneira jocosa, ridicularizando-nos, esfregando suas diminutas patas dianteiras assim como nós esfregamos as mãos quando vislumbramos algo de bom. Um autêntico sarcástico.

Ingenuidade de nossa parte achar que somos os habitantes do mais alto andar na evolução das espécies. A começar pelo fato de não possuirmos a habilidade do vôo. Bem, podem surgir questionamentos com relação aos pássaros, mas estes são medrosos, reticentes quanto a nossa presença. O menor sinal de aproximação já é motivo para alvoroço, para fugas ridículas. O mosquito não, pelo contrário, faz questão de vir ao nosso encontro, de nos explorar, de se empanturrar com nosso sangue ou com nossos alimentos.

No que se refere à reprodução, outro show do artrópode. Nós somos obrigados a encarar rodeios, teatros, uma série de encenações para enfim alcançar a cópula. O mosquito não, e justiça seja feita, todos os outros animais não. O ato é objetivado, e melhor ainda, estendido a várias parceiras num curtíssimo intervalo de tempo. Maravilhoso.

Para encerrar a discussão e confirmar a predominância do mosquito, este só possui uma semana de vida. Não é obrigado a permanecer nesta penosa jornada a que somos submetidos, não trabalha, não envelhece. Morre ainda no vigor da juventude e sua vida é feita única e exclusivamente de prazeres que são o vôo, o sexo e a apreciação de guloseimas mil. Ele não divaga, como agora o faço, não necessita de batalhas para provar sua bravura, não padece de traições ou crises psicológicas. Realmente um ser exemplar, pois simplesmente vive.

Se a oportunidade me for oferecida, quero ser um mosquito numa vida futura e simplesmente me alimentar, voar e amar!

sexta-feira, 3 de novembro de 2006

Eles



Viviam nas planícies à procura do próximo dia. Aprenderam a caminhar distâncias magníficas, em grupo, ordenadamente, numa cadência em sintonia com a sobrevivência. Aprenderam a matar a carne vermelha, a manipular a luz ardente, a conduzir o crescimento do verde, a construir cavernas.

Aprenderam a repartir, pois repartindo todo o conjunto agregaria força. É um raciocínio lógico e primário: se houver equilíbrio entre as potências individuais, têm-se uma bela média geral. Se a composição for de alguns extraordinários acompanhados de vários medíocres, a média geral será inadequada para a violência do mundo. O equilíbrio não produz nem super-homens nem ratos, simplesmente cria seres corajosos e preparados o suficiente para a batalha do viver.

Aprenderam a emitir sons organizados, memorizados previamente, rapidamente compreendidos e que impulsionaram o seu potencial futuro. A denúncia do risco inato e a capacidade de câmbio intelectual foram sobremaneira aceleradas.

Aprenderam a identificar o medo no rosto alheio. Descobriram que as fraquezas, antes soterradas em cavernas singulares, eram coletivas. Conseguiram então manipular o poder através da persuasão, e não mais somente da imposição oblíqua e ligada à matéria. Aqui se iniciou o mal previamente arquitetado, fruto de uma cadeia lógica de raciocínios. A razão ultrapassou o barrento e primitivo instinto.

Aprenderam a arte de amar, aquela que se preocupa com o prazer e não é somente uma humilde serva da perpetuação natural. Criaram a conquista, o flerte esguio que vive nas esquinas dos olhares, escravo irrevogável da simulação. A atuação do amante não carrega em seu corpo a sinceridade, tudo não passa de uma atuação, onde as virtudes se fazem tão brilhantes como o Sol e os defeitos são trancafiados no porão da alma.

Aprenderam ainda muito mais. Mas não aprenderam o essencial. Aqueles seres não concluíram que eram insignificantes, que não eram sagrados, que não podiam se considerar únicos e puros. Não conseguiram admitir que o apodrecimento da carne é inevitável e simplesmente marca o fim de um ciclo biológico, nada mais.

Agora, vivem embasbacados à procura do inalcançável, a glória da eternidade. Continuarão a procurar, sempre, exaurindo sua energia em algo inócuo. Se todos se preocupassem em encontrar a glória aqui mesmo, na terra marrom e espinhenta, suas mentes seriam mais produtivas para a evolução do todo. Assim, não destruiriam o que aqui germinou confortando-se com a maciez de um improvável firmamento.