sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Pesemos sobre nós - Um texto sobre minha cidade


Começo do século XVIII. A exploração das florestas e campinas do novo mundo caminhava a pleno vapor. O Brasil era mato, mato fechado e grosso, uma natureza enrugada, ríspida, intransigente, apesar de sua beleza explosiva. Viviam aqui os habitantes natos do local, adaptados às intempéries e pragas que essa terra cuspia. Os bandeirantes, os maiores aventureiros que deixaram suas marcas nesse solo, seguiam empunhando seus facões entremeados pelo perigo da floresta, pela excitação da descoberta de riqueza, no caso ouro, e pelo sofrimento causado pela privação de recursos materiais para tamanha empreitada.

Exatamente em 1713, João dos Reis Cabral aportou às margens de um riacho que viria a ser batizado de Córrego São Miguel, homenagem ao ídolo do dia. Foi João, mas poderia ter sido qualquer outro. A riqueza mineral aqui presente não ficaria encoberta pela camuflagem natural por muito tempo. Mas não importa, sigamos em frente. Imagine que palavras Reis Cabral gritou quando jogou os olhos no riacho e avistou diversas e suculentas pepitas douradas. “Escutem, corja de frouxos, eu não havia ordenado à fortuna que nos acompanhasse? Pois virem suas faces maltratadas para a água e vejam minha ordem sendo cumprida”. Talvez, não há como saber, só nos é permitido supor, inventar, romancear o fato.

Bem, começou então o trabalho de construir bases para aqui permanecer por um longo período. Iniciou-se aí o soerguimento de nossa cidade. Faltava um nome, e ele veio sugestivo, “monte em que pára o peixe”, em Tupi/Guarani. Àquele tempo e hoje, em nossa região a vista só alcança morros.

Quais perigos esses bandeirantes, bárbaros e nobres ao mesmo tempo, enfrentaram em nossas extintas matas? Quantos morreram na odisséia de nossa descoberta? E mais, quantos morreram para defender o território preenchido pelo nobre metal cintilante? Quantas famílias perderam seu esteio para as excursões intermináveis que terminaram por desnudar o verde virgem da região do Rio Piracicaba? Quem sabe tombaram centenas, milhares de desbravadores. E seu sangue hoje fertiliza o nosso solo, transmitindo arrojo, coragem e força a nós, frutos dessa terra.

Tratando-se disso, lanço algumas perguntas: será que nós, rio piracicabenses, estamos honrando o sangue de nossos descobridores? Nós, enquanto uma comunidade, estamos cientes e tranqüilos com relação aos nossos atos civis? Nossa cidade recebe uma contrapartida de seu povo, no que se refere à conservação, limpeza ou ampliação de espaços? Nossas comunidades se ajudam, trocam informações, debatem sobre os problemas que podem parecer localizados, mas que muitas vezes são gerais? Onde estão nossa história e nossas raízes? Onde se escondem nossos mártires, nossos mitos, nossos deuses? Não tenho as respostas para tais questionamentos. Mas tenho inclinações que me conduzem ao seguinte pensamento: muito mais pode ser feito, sempre. Melhorias não ocupam espaço.

Comemoramos os 294 anos do Arraial de São Miguel, que depois, em 1912, viria a ser chamado de Villa de Rio Piracicaba (ver registros antigos da Câmara). Quase três séculos de existência. Pensem comigo, temos as características de uma cidade de três séculos? Adquirimos um desenvolvimento concreto que nos propiciou esticar nossas fronteiras de influência? Ou, por outro lado, ostentamos em nossas ruas os símbolos de nosso passado calcado na riqueza do ouro? Temos respeito pela nossa condição de cidade que surgiu quando o Brasil ainda estava submerso na bruma densa da natureza? Reflitamos sobre isso, todos nós. E parabéns a nossa cidade!