terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Parada: Manaus

Buenas meus caros! Amanhã deixo o estado do Amazonas para trás e sigo para o Pará, mais especificamente, Belém. Parto de barco (quatro dias) de Manaus, cidade na qual permaneci seis dias (entre idas e vindas) e ainda assim não consegui entender de maneira satisfatória. Isto porque é incompreensível e inadmissível que a pujança aqui reinante em outras épocas tenha definhado a tal ponto como agora.

Um passeio pela capital amazonense basta para revelar quão pujante a cidade foi na época de ouro (literalmente) dos barões da borracha. Porém, outro viés que vem à tona no percurso das ruas Manaus é o abandono dispensado ao antigo lar dos barés (tribo indígena que habita o Rio Negro).

O que se vê são casarões esquecidos, uns com paredes descascadas, outros esburacados e com as janelas quebradas, onde vigoram arbustos e lembranças de um tempo de requinte, em que a vanguarda brasileira estava aqui, trazendo da Europa as novas tendências no que se refere à arquitetura, moda, música, artes, teatro etc. Uma história que aos poucos é riscada do livro erigido a partir da riqueza proveniente das seringueiras.

A Prefeitura da cidade está devendo, e muito. A prova é que o atual prefeito, Amazonino Mendes (velha raposa do estado, que divide com Gilberto Mestrinho o comando das rédeas do Amazonas há tempos) escolheu como slogan de sua administração a esclarecedora frase “Reconstruindo a cidade”. Perfeito, pois Manaus está maltratada, quer dizer, a maior parte de Manaus, pois o bairro Ponta Negra, área nobre da cidade, está em ordem, obviamente.

As ruas, principalmente as do centro velho, apresentam o lixo como decoração principal. Construções velhas enfeiam a paisagem. O trânsito complicado, muito em função da falta de avenidas largas, é um transtorno. O caos ainda é menor que em outros grandes centros (BH, por exemplo), mas o caminho da inoperância tem contornos nítidos.

A praça onde fica o Teatro Amazonas é um suspiro de organização em meio ao descaso do poder público. Mas é pouco, quase nada ante o que a beleza envelhecida que Manaus insiste em exibir.

Os dois portos de Manaus que conheci retratam muito bem as prioridades dos mandatários da cidade. O Porto de Manaus, construído pelos ingleses em 1910, é o terceiro maior porto exportador do país. Está bem cuidado, com uma estrutura que atende bem os turistas, passageiros locais (em menor número que os visitantes) e grandes navios que lá ancoram. Já o Porto de São Raimundo, utilizado principalmente pelos manauaras e amazonenses em geral, de onde partem, por exemplo, os barcos com destino a São Gabriel da Cachoeira, tem como freqüentadores assíduos os urubus, devido à enorme quantidade de lixo acumulada. Não sei se aquilo pode ser chamado de porto, pois só há um pedaço de terra batida, cercado por águas onde bóiam latas, calçados, restos de comida, plásticos, pedaços de madeira e uma infinidade de outros detritos. Só para constar, margeia este porto uma aglomeração de palafitas, que são as favelas daqui.

A rodoviária é menor que a de muitas cidades medianas do sul, condição esta justificável pela região se valer em larga escala do transporte fluvial em detrimento do deslocamento rodoviário. Até porque as estradas do Amazonas se assemelham à cabeça de bacalhau: existem, mas ninguém nunca viu (apenas uma brincadeira, umas duas ou três são utilizadas com regularidade). No entanto, até a rodoviária poderia ser muito melhor cuidada.

Apesar de todos os atributos nada edificantes descritos acima, recomendo uma visita a Manaus. Afinal, onde mais existe uma metrópole de dois milhões de habitantes cravada no meio da maior floresta do mundo? Ainda por cima, sem estradas que a conectem a outros grandes centros? É interessante presenciar com os próprios olhos o ritmo de vida daqui, guiado pela velocidade dos rios e não dos bytes, como acontece na maior parte do Brasil e do mundo.

Uma semana no Amazonas é pouco tempo, acreditem, isso devido à toada mansa e ritmada dos barcos rio acima e abaixo, que levam e trazem de tudo. Por isso, e mesmo com todas as dificuldades, penso que os habitantes daqui vivem melhor, pois sabem o valor de algo que caiu em desuso em nossas vidas modernas: a importância de uma pausa, de matar o tempo olhando as águas balançarem ao sabor do vento, de escutar com atenção e prazer o canto afinado de um pássaro. Uma característica da cultura indígena que até hoje se manifesta no cotidiano amazônico.

Ainda tratando do povo local, os manauaras recebem bem os visitantes, à sua maneira. Na maioria das vezes, não dispensam sorrisos gratuitos. Tampouco agridem sem motivo. Agem no estrito cumprimento de sua função. Assim, ao pedir uma cerveja num bar espere apenas por uma cerveja e não por um rosto simpático, que convida para uma conversa. É o jeito daqui, simples assim.

Os barés (pode-se usar esse gentílico para os nascidos em Manaus) são solícitos e você, caso precise de ajuda com uma informação ou mesmo algo de maior porte, provavelmente conseguirá sem maiores problemas. Os manauaras são alegres e brincalhões entre eles. Caso você consiga uma entrada, perceberá o lado descontraído desse povo que ao mesmo tempo respira os mitos da floresta e o desenvolvimento moderno.

O pólo industrial de Manaus está “bombando” e a cidade se prepara para desfrutar como nunca os louros do crescimento econômico. Espero que essa nova era não enfraqueça o traço fundamental desse povo, sua ligação direta com água, com a floresta, com a cultura que os fundou. Vejamos.

Até a próxima!

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