segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O Barco: Manaus-Belém

Buenas meus caros! Acabo de chegar a Belém, após uma viagem de cinco dias pelo Rio Amazonas desde Manaus. Desta vez optei pelo conforto e comprei uma passagem nas cabines, cujo valor é o triplo das redes (R$ 220 a rede e R$ 600 o camarote, após alguma pechincha). Não suportava mais ter o desconforto como acompanhante nos barcos. No total, passei mais de 13 dias flutuando em águas diversas Amazônia afora, e este foi o último deslocamento via rio na viagem, acredito eu. Queria fechar com chave de ouro, e consegui.

Este barco foi o que proporcionou a maior furelagem, termo usado aqui para se refeir à bagunça, o “fazer um rock” dos mineiros. A cerveja desceu sem dó garganta abaixo e não foram raros os dias em que fiquei bêbado a bordo. Afirmo aos nobres que têm apreço em sorver o líquido divino, é muito bom ficar tonto no meio do rio. Sensacional. Proporciona uma segurança e uma garantia de proteção sem igual, apesar de que, caso o barco venha a afundar, você, bêbado, será o primeiro a dar adeus ao mundo! Uma verdade paradoxal.

Quem acompanha desde o princípio os relatos desta jornada se lembrará de Curió, o japonês com cara de peruano que se predispôs a percorrer toda a América do Sul. Eu conheci Curió no barco que saiu de Porto Velho com destino a Manaus. O apelido Curió decorre de seu nome verdadeiro, cuja sonoridade se assemelha ao nome do pássaro.

Estava no Porto de Manaus, esperando o embarque, quando me aparece Curió, que desde a chegada na capital amazonense não tinha mais visto, exceto um ou dois dias, no máximo. Ele passava quando gritei seu nome, ao qual ele atendeu prontamente. Estava com os olhos arregalados, quase pulando para fora. O fato é que o japa havia comprado sua passagem para Belém no mesmo barco que eu, coincidentemente. Porém, o agente que vendeu o bilhete prometeu guiá-lo da hospedagem até a embarcação, mas no dia combinado não apareceu. Então, Curió, que acabou encontrando outro japa em Manaus, Massakiro, pensou ter sido enganado. Prestei-lhe auxílio com satisfação e, por obra de forças superiores, lá estava eu novamente navegando com Curió por mais cinco dias.

Curió não bebe cerveja, só gim, mas, infelizmente, o barco não vende destilados. Já Massakiro bebe como se o mundo fosse acabar. Contarei uma passagem muito engraçada adiante na qual o álcool cortou-lhe todos os sentidos do normal.

Devido ao longo tempo passado no barco, aquele espaço tornou-se uma verdadeira comunidade. E com isso percebi uma coisa engraçada: as pessoas conversam por quatro, cinco dias, sem trocar seus nomes, na maioria das vezes. E acho que o mesmo se repete em viagens de ônibus. Quando você vem de fora, de outro estado ou país, é batata. Por exemplo, todos me chamavam de Mineiro, era meu nome no barco. Ninguém sequer perguntou minha verdadeira graça. E a falta de apresentações formais não remete a conversas superficiais.

Escutei relatos de vida como o de Carol, 28 anos, que foi casada com um pistoleiro no Mato Grosso e que havia fugido de casa jurada de morte pelo ex. Ela casou-se cedo, retirada de seu lar pelo homem, muito mais velho que ela. Iria procurar abrigo na casa da mãe, que mora em Belém. Estavam ela e sua filhinha, uma coisinha linda de seis anos, muito, muito inteligente e esperta. Carol queria a separação formal, mas o marido não aceitou o divórcio. Além disso, ameaçou-a dizendo que caso fugisse iria caçá-la até o inferno, ela e sua filha. História desesperadora.

Bem, passemos para algo mais ameno. Conheci no barco o famoso, irreverente e conversado Ceará. Óbvio que seu nome verdadeiro não sei, como já expliquei anteriormente. Ceará era um companheiro de copo assíduo. Sabem aqueles baixinhos de cabeça chata típicos, cheios de prosa e sempre com uma piada na ponta da língua? Pois é, é esse o cara. Alguns exemplos de seu espírito. 1- Estávamos no peitoral do navio, olhando o Amazonas, e eu disse: “Ei Ceará, imagina essa água toda lá no seu estado?”. Resposta: “Tá doido rapaz, lá ninguém sabe nadar, ia inundar aquilo tudo e morrer todo mundo afogado”. 2 – Ceará espontaneamente vira e fala: “Ei, outro dia pegaram três peixes lá do Ceará e jogaram aqui. Morreram tudo afogado, peixe de lá não é acostumado com água não”. 3 – De novo, Ceará: “Ei, outro dia tavam cavando um poço lá perto de casa, o buraco já tinha 120 metro de fundura e ao invés de achar água acharam foi uma cabeça de bode”. 4- “Piscina nossa lá é uma cacimba barrenta de meio metro de fundura”. E assim por diante, o dia inteiro, o que aumentou em muito meu arsenal de bobeiras a serem proferidas em botecos.

Ceará, que não passa de 1,57m de altura, é cobrador. Viaja por toda Amazônia realizando essa tarefa. É lógico que eu fazia troça de seu tamanho, que não era compatível com sua função. E é lógico que ele dizia nunca ter voltado sem receber. Quando o devedor não quitava seu débito, ele no mínimo ganhava um tapa na cara, afirmava orgulhoso Ceará.

O ponto culminante da viagem descrevo a partir de agora. Estávamos eu, Ceará, Massakiro, Curió e outros seis ou sete sujeitos tomando cerveja na parte superior do navio. Curió só acompanhava, pois ele não bebe cerveja, como já escrevi. Foram cervejas e mais cervejas, muitas mesmo. Um desses caras, que até então eu não tinha visto, era chato ao extremo. Contava muita vantagem e era metido a malandro. Falava que era produtor de uma danada de uma banda chamada Garota Sarada, um forró brega desgraçado de ruim. E dá-lhe papo furado. O sujeito era desses tipos troncudos, baixinho, mas forte. E estava na cara que queria uma confusão de qualquer jeito.

Quando a cerveja já havia feito seu trabalho, deixando todos nós alcoolizados, Ceará me falou: “Não gostei desse cara, isso é cabra safado, tá dando o tombo na cerveja. Deixa que tem aqui o dele separado”. Eu dizia, “para com isso Ceará, brigar pra quê porra?”, mas não adiantou de nada.

Nessa altura do campeonato já tinha gordinha beijando na boca só de biquíni, umas safadas bebendo cerveja às nossas custas, nego passando mal, o diabo a quatro. Havia inclusive a promessa de um strip. Mas o chato, que se achava malandro, teve que estragar tudo.

Bastou ele chegar perto do Ceará para escutar: “Ei rapaz, tu é um cabra safado, não vale nada. Nem cerveja tu tá pagando. Safado da porra. E fala alguma coisa pra tu ver se não enfio a mão na tua cara”. Nessa hora, eu pensei: Fudeu!

Mas o Ceará vacilou. Assim que fechou a boca, e com a confusão de pessoas formada pela turma do deixa disso, levou uma cacetada do sujeito que, sem brincadeira, deve tê-lo arremessado lá no Ceará mesmo. Ele fez uma visita relâmpago a sua mãe e voltou. Depois do primeiro soco a coisa ficou preta. Aí entra Massakiro.

Massakiro já tinha bebido muita cerveja e ingeria também doses cavalares de Natu Nobilis quente, muito quente, pois a garrafa descansava ao sol de mais ou menos 40º. Quando viu a confusão, Massa começou a simular golpes de artes marciais, estilo Daniel San. Sinceramente, uma das coisas mais engraçadas que já vi. E o melhor é que ele ficava lá, dando chutes no ar, fazendo caras e bocas, e o pau comendo sem ninguém dar a mínima atenção a ele. E mesmo com a confusão controlada ele continuava com seus golpes. Era um japonês doido da porra, isso sim.

Após mais uns dois ou três socos que passaram em branco, dominamos o chato e o comandante do barco chegou. Detalhe, o barco teve que parar em decorrência da confusão. Todos nós oferecemos testemunhos que aliviaram a barra do Ceará. Afirmamos que o baixinho encrenqueiro partiu para briga primeiro. Após muitas ameaças a todos nós, ele foi deixado numa cidade chamada Monte Alegre, ainda muito distante de Belém, sem direito a choro.

Curió, no melhor estilo budista, manteve aquele ar sereno, superior, e sequer se moveu no momento da briga, parecia que nada acontecia. Após o encerramento da confusão, simplesmente veio me perguntar quando era o jantar. Aí deixei pra lá, falar o quê?

Enfim, essa foi uma viagem muito diferente, recheada de situações inusitadas. Foi excelente. Mas ainda não é tudo. Vejam os vídeos acima e saibam como muitos ribeirinhos ganham a vida no rio. Algo impressionante, que jamais tinha visto.

É isso, hasta!

3 comentários:

Frederico disse...

hhahaahahha

masakiro san, doidão eim?

Virgílio Vettorazzo disse...

Genial.
Tava eu aqui, procurando informações sobre a viagem Manaus (meu próximo lar) - Belém, quando encontro esse seu blog.
Li inteiro e adorei.
ahahhahahahaah
Era bem o tipo de informação que eu queria.

Então os barcos têm uma infra bem legal, mesmo? Cervejinha, comida, e tipos variados?
Sensacional.
Primeiro passeio meu será esse.

Abraço! E parabéns! Escreve muito bem!

Anônimo disse...

Desci o Rio Amazonas também...
É uma experiência fora do comum...
Todos deveriam fazer isso!

Minha viagem:
http://www.verdejava.com.br/index.php?OpcaoPai=Roteiros&OpcaoFilho=rioamazonas