segunda-feira, 31 de março de 2008

Gente como a gente


Nesses dias em que a tempestade jogou água no fogo do mercado, com o derretimento de todo um sistema de crédito de vital importância e abrangência dentro da economia americana, acabei chegando a uma conclusão. O mercado é gente.


O Mercado (gente tem nome grafado em maiúscula), assim como nós, tem genuínas emoções, ao menos é o que tentam fazer crer a imprensa e os economistas. O Mercado é humanizado com descrições que revelam seu humor ou condição, tais como nervoso, instável, fraco, pessimista, temeroso, apreensivo - quando há quedas ou turbulências - e animado, otimista, robusto, tranquilo - quando os tempos são de colheita farta.


Assim, ao ligar a tv ou ler um jornal, tomo conhecimento de que o Mercado está sentado ao meu lado no sofá. Além disso, me é informada sua condição psicológica via imprensa. Quando ele está nervoso, é melhor até sair de perto, nunca se sabe.


Nossa sociedade é chamada sociedade de mercado não é à toa. Não há estratégia melhor para incrustar algo no cotidiano dos povos que naturalizá-lo, torná-lo inescapável, uma vida espontânea que se agrega de maneira harmoniosa à do homem, passando inclusive a imitar seus sentimentos.


Eu não prego aqui discursos pré-fabricados. Nasci já no colo do Mercado, cresci em sua companhia e tive de me adaptar aos seus caprichos. O que me intriga é a maneira como o tratamos, muito semelhante aos amigos imaginários que interagem com as crianças.


Daí talvez o medo de mudar, de construir um novo modelo que contenha substâncias realmente inéditas e inovadoras. Seria como matar alguém. Se desse certo, tudo bem, o defunto seria apenas esquecido, enterrado nas covas da história. Mas e se o substituto mantiver hábitos ainda mais sórdidos que seu predecessor, afundando ainda mais a humanidade na areia movediça em que se meteu. Quem estaria disposto a assumir a culpa do assassinato?

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