quarta-feira, 17 de maio de 2006

Os Selvagens


Viviam há muito pelas calçadas da cidade. Marquises eram transformadas em telhados, jornais em cobertores, esquinas em banheiros e a vida seguia sem rumo, sem utopias, sem expectativas. A comida, geralmente sobras, tinha um gosto azedo, gosto de miséria. O sentimento de pertencer à espécie humana já não mais existe, pois em animais haviam se transformado há vários invernos. E como animais, o instinto básico e primordial de sobrevivência era o que os mantinham vivos, o que os impulsionavam. Num belo dia de fome, frio e desespero, o macho dominante do grupo avista uma presa. Mulher, rica e indiferente. Uma presa despreparada, que foi arrastada subitamente para a realidade do mundo após sentir o gelado cano de uma arma em seu pescoço. A caça estava completa, mais um dia de sobrevivência para o grupo estava garantido e mais uma presa, atordoada, refugia-se em sua jaula doméstica e clama aos deuses para que a horrível sensação da morte nunca mais a aflija. E assim chega ao fim mais um dia na selva.

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