domingo, 28 de setembro de 2008

Pra boi dormir


Na crise financeira americana, que há meses ceifa o mercado e suas verdades, alguém quer nos fazer acreditar em mentirinhas. Em minhas mãos está a revista Veja, edição do dia 24 de setembro de 2008, que traz na capa: “Eu Salvei Você! O governo americano evita o colapso financeiro mundial e nunca mais Wall Street será a mesma”.

A capa reproduz a lendária imagem do velho Tio Sam, cartola e roupas nas cores da bandeira dos EUA e o dedo indicador quase a raspar nosso nariz. Bem, querem desvirtuar a realidade. Quem? Não sei exatamente quem, talvez o establishment financeiro mundial, todo ele vivendo hoje em dia nas bonitas e confortáveis coberturas de Manhattan, que a especulação e irresponsabilidade ajudaram a comprar.

Meu argumento é o seguinte: como assim os EUA salvaram o mundo? Então os derrotados são ao mesmo tempo os salvadores? Os EUA não salvaram ninguém, pelo contrário, foram salvos. Aliás, há muito tempo se agarram ao mundo para seguirem morando na rua das potências.

Primeiro ponto: o pacote de R$ 700 bilhões, que se visa adquirir os títulos podres dos bancos, sequer foi aprovado e a Veja, açodada como ela só, já trombeteia tal notícia. Segundo, é consenso entre economistas, ao menos entre os economistas sérios, que tal pacote não será capaz de salvar o querido mercado se não vier acompanhado de novas regras que garantam maior vigilância sobre o cassino financeiro mundial. Mas o argumento mais importante vem a seguir.

Há muito o mundo é o grande talão de cheques dos americanos. Eles gastam muito mais do que produzem, ou seja, são financiados pelos agentes econômicos globais. Esse crédito se fundamenta em uma variável muito simples: a confiança. O mundo confia que os EUA pagarão suas dívidas, assim não se preocupam em emprestar montanhas de recursos mesmo que os sinais apontem para uma situação insustentável já no médio prazo. Bush lançou o país num alucinante déficit fiscal (receitas menos despesas) após a sanha militarista e intervencionista tomar conta das cabeças brancas de Washington. As guerras contra o terror, no Afeganistão e Iraque, sugam dinheiro como um Opalão seis cilindros gasta gasolina.

E não só as guerras, mas também a nova configuração que se desenha na pele do mundo, tanto na paisagem política quanto econômica, aponta para um futuro em que os EUA não mais serão os donos da bola. A queda de nações hegemônicas não ocorre num sobressalto, este é um processo lento, constante e irrefreável. A confiança que há anos sustenta a economia americana, baseada fortemente no consumo das famílias, pode estar se aproximando da parada final.

Mais de dezesseis bancos dos EUA já pediram o chapéu. Alguns centenários, colossos que, imaginava-se, eram feitos de pedra, mas que agora deixam transparecer toda espuma que recheava seus organismos. A confiança do mundo no mercado está fortemente abalada e a confiança do mundo nos EUA pode seguir o mesmo caminho. O que garante o contrário?

Os solavancos de uma derrocada americana serão sentidos em todo o planeta, é óbvio, ante a complexidade e alcance de sua economia. Mas isso não significa que possa ocorrer um rearranjo na estrutura do mundo. Aliás, a história mostra que a reengenharia do modelo político-econômico e seus atores é uma constante.

Agora os EUA conseguirão os US$ 700 bilhões que oferecerão mais alguns minutos de oxigênio ao mercado, que está com a boca a um palmo d´água. Este dinheiro é público, conseguido via emissão de títulos, comprados por agentes do mercado de todo globo. Os títulos americanos são considerados de risco zero e financiam as atividades do país desde que o novo horizonte despertou. Na verdade, governos e investidores estrangeiros são realmente os financiadores do pacote que assoprará as feridas abertas pela derrocada do mercado imobiliário ianque. Os EUA não têm guardados debaixo do colchão tamanha quantia para gastar quando quiserem, da maneira que bem entenderem.

E agora a Veja e outros veículos de todo mundo querem enfiar-nos goela abaixo a carochinha de que os EUA salvarão o mundo, que agirão rápido para evitar uma catástrofe maior. Primeiro, a catástrofe já é enorme, e segundo, eles foram salvos. Não tem cabimento a lógica de transformar em vitoriosos os derrotados. Não dá pra engolir. E torço para que um novo panorama geopolítico brote no terreno esburacado pelas bombas vindas do mercado financeiro. Que partamos para um outro modelo, racional, centrado no desenvolvimento global, e não na engorda dos bolsos de alguns poucos barões que agora começam a definhar pela boca.

2 comentários:

Rominho disse...

Caro Thó:

Para variar mais uma da trupe do excelentissimo Sr. Diogo Mainardi...Como diz a frase: Leu na veja? Azar o seu. Um abraço e parabens pela critica.

Rominho disse...

A veja é ótima. Para estimular uma diaréia e de quebra ganhar as páginas para limpar a bunda.

romin.