quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Os Ingressos e o Brasil



Caros leitores, peço que leiam com atenção as próximas frases. Elas foram retiradas de uma matéria veiculada no jornal Folha de S. Paulo, do dia 19 de setembro. A matéria trata do preço dos ingressos cobrados no show de um renomado artista internacional. Quanto? R$ 300.

Retirei algumas declarações dos entrevistados, que respondiam se consideravam normal, no Brasil, pagarem tamanha quantia por um show. Aí vão algumas respostas:

“O Brasil é assim mesmo. A gente não tem culpa que muitas famílias vivam com R$ 300 por mês. Sei que soa preconceituoso, mas... Acho até bom que seja meio caro; quando a balada é muito barata, eu desconfio. Aqui a gente só vê pessoas mais bonitas e educadas”. Administradora de empresas, 22 anos.

“Sei que R$ 300 não é pouca coisa, mas dinheiro não é problema para mim. Tudo depende da base de comparação. Ao menos uma vez por semana, gasto isso numa balada”. Empresário, 24 anos.

Não foi identificada a profissão deste entrevistado de 23 anos, que disse: “Eu tive sorte de nascer assim. Tenho noção do absurdo, mas prefiro me enquadrar no sistema”. Provavelmente ele não trabalha.

“Se sou mais especial que os outros, não sei. Mas as pessoas não têm culpa de ter grana”. Publicitário, 37 anos.

Sim, o publicitário não tem culpa de ter “grana”. Mas será que ele tem culpa pelos milhões de brasileiros que trabalham de sol a sol para, com sorte, receberem R$ 300 reais por mês?

Sim, dinheiro não é problema para o jovem e próspero empresário. Mas será que é problema para ele um menor, drogado e armado, atravessar sua testa com uma bala de revólver e roubar-lhe míseros R$ 20, R$ 30?

Sim, a administradora tem o direito de pensar que um show ao preço de R$ 300 propicia um ambiente asséptico, pomposo e civilizado. Mas será que quando circula pelas ruas da cidade, quando se depara com a realidade suja, mal educada e feia, R$ 300 reais podem transportá-la instantâneamente para o conforto aveludado de seu mundo?

A melhor. O jovem, parido pelo ventre da riqueza, tem toda a liberdade de se adequar ao sistema. Mas será que ele gostaria de se adequar ao sistema estando do outro lado, lutando não pela chefia de uma multinacional, por um carro importado, por férias em paraísos tropicais, e sim por um prato de comida, uma peça de roupa rasgada, pela sobrevivência?


Partindo destas declarações, deciframos um dos problemas que ancoram este país. Possuímos ricos que vivem dopados, alucinados, construtores de um mundo que reflita a sofisticação européia e o consumo exacerbado americano em solo tupiniquim.

Sentem vergonha de serem brasileiros e consideram os pobres subumanos, selvagens que não merecem mais que as sobras, que devem se curvar ante a imponência obtida através do dinheiro. Vivem sob a égide da hipocrisia, sentando-se no lamaçal com um alvo lençol de seda a proteger suas nádegas.

Estas pessoas serão os futuros comandantes da nação, seja direta ou indiretamente. Eles fazem parte da elite econômica, a condutora da carroça Brasil. Há tempos esta carroça tenta transformar-se em um carro. Creio que dependeremos da tração animal ainda por um longo tempo.

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