quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Nosso País


A rotina é miserável. Atados em um nó social, não nos movemos. Progressivamente nos acomodamos com a normalidade absurda, transformamo-nos em cúmplices. E não há horizontes mais iluminados à vista.

O nosso Estado é um assassino. Mata direta e indiretamente.

O nosso Estado mata através de seu braço coercitivo e que possui a legitimação do uso de violência, a polícia. Infiltrados nos quartéis existem grupos de extermínio, há os conluios com homicidas e traficantes, onde a liberdade é posta a venda, torturas e truculências que geram mais fúria que disciplina, execuções sumárias de suspeitos, às vezes culpados, muitas vezes inocentes, tiros e mais tiros entre escassas palavras.

O nosso Estado mata quando não mostra nenhuma disposição para superar o descaso quanto ao essencial serviço de saúde pública. Cidadãos morrem em corredores de hospitais, filas de atendimento, morrem por falta de remédios que não têm condições de comprar e que deveriam ser fornecidos pelo governo, morrem sem sequer ter acesso a algum tipo de atendimento público de saúde.

O nosso Estado mata quando permite que a população circule em vias de transporte tão precárias e inseguras como as nossas. Talvez em números absolutos, o número de mortos em acidentes rodoviários não cause mais espanto na opinião pública. Mas pensemos como seria perder um ente próximo em conseqüência de um mísero buraco. Há recolhimento de impostos para manutenção de estradas, e se estas se encontram em estado de degradação absoluta, sabemos perfeitamente quem é o responsável.

O nosso Estado mata quando permite que o patrimônio público seja pilhado por repugnantes insetos sorverdores. Recursos essenciais ao povo que pagam refeições em restaurantes da grã-realeza, que compram máquinas automobilísticas oníricas, viagens recheadas de azuis-turquesa, palacetes esplendorosos, tecnologias ofuscantes, êxtases vazios.

O nosso Estado mata quando se mostra ineficiente na conservação de nosso ambiente, não só o natural, mas também o urbano. A água vai progressivamente sendo infectada; a massa verde cada vez mais cede espaço à ganância; o ar das cidades é sujo, carregado, intoxicado; aglomerados escancaram a lamúria da pobreza.

E assim, enquanto vários secam pouquíssimos estão vivendo no éden. Paraíso falso, na realidade, mas que agride e espanca os Josés, Joões, Marias e Madalenas e que progressivamente começa a atingir as Lúcias, os Eduardos, as Carlas e os Leandros, a classe que habita as redondezas dos altos postos da pirâmide da vergonha.

Continuaria por vários e vários parágrafos. Mas o que escrevo já foi incessantemente falado e já é enfadonhamente conhecido. Faz parte de nossa vida, do transparente cotidiano.

A desilusão reside aí. Nosso povo canta, lacrimejante, a vitória de um atleta, evoca o hino nacional e dele se apossa, dele se nutre. Retorna ao lar, liga a televisão e observa, enraizado, a caixa negra vomitar chagas de nossa sociedade. A reação é parcimoniosa, um ato de medíocre passividade.

Os jovens buscam tão só as frivolidades, as sensações rápidas e intensas, o mundo de plástico, o estéril, a alucinação coletiva da inércia, o deserto que nos oferece o infinito, o impossível, o ilimitado. Turvam suas mentes e caem em profundo estado de flutuação, sendo posteriormente incorporados e esvaziados.

Quem possui, logicamente não quer a mudança. Quem não possui não reage, por incapacidade ou por covardia ou pelos dois. Quem teria a capacidade de algo mudar, se abstém.

E assim seguimos adiante, pisando em falso, pensando em nada, ruminando a vida. Que beleza é o nosso país.

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