sábado, 23 de agosto de 2008

Uma explicação


Não comemoro o fracasso do Brasil em Pequim. Foi lamentável. Mas também previsível. Excetuando-se dois ou três atletas que realmente falharam na reta final, e que dispunham de sólida chance de voltar ao Brasil com o ouro no peito, 99% de nossa delegação foi mesmo é passear em Pequim. E ao contrário do discurso recorrente, "o que falta são recursos", o que de fato ancora o país é a inexistência de um plano, uma política pública esportiva bem definida. Quem diz isso é o jornalista José Cruz. Segundo entrevista divulgada no Congresso em Foco, Cruz é um dos maiores conhecedores de política esportiva no Brasil, acompanhando a cozinha do Ministério do Esporte já há 15 anos. O jornalista cobriu duas olimpíadas (Seul e Sidney) e é subeditor de esporte do Correio Braziliense. Abaixo trechos da entrevista.

"Até o ano 2000 os investimentos públicos no esporte eram muito escassos. O que são investimentos públicos no esporte? Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Correios, Petrobras, Infraero, o orçamento público federal e, de outra parte, a Lei Agnelo/Piva, que destina 2% das loterias federais para o esporte olímpico e paraolímpico. A partir de 2001, com o advento da Lei Agnelo/Piva, o esporte olímpico e paraolímpico passou a receber mais recursos. No ano passado só o Comitê Olímpico Brasileiro recebeu em torno de R$ 80 milhões. Nos últimos sete anos, foram em torno de R$ 500 milhões. É um dinheiro expressivo, com o qual nunca se contou".

"Costumo dizer que temos fartura de recursos, mas está faltando gestão. Não que o dinheiro esteja sendo desviado, não estou fazendo acusação. O dinheiro é público, mas sua gestão está concentrada no Comitê Olímpico e no Comitê Paraolímpico Brasileiro. E essas instituições, que são entidades civis, gastam os recursos de acordo com as prioridades que elas fixam, sem a participação de nenhum representante do Ministério do Esporte. Ora, se o dinheiro é do governo federal, o Ministério do Esporte deveria ter participação na definição das prioridades dos gastos desse dinheiro".

"...falta gerenciamento, participação do Estado, definição de políticas, envolvimento de municípios, estados, escolas e universidades. Hoje está muito concentrado no governo federal e não há definição sobre o papel de estados e municípios. Desses recursos que saem para o COB, os atletas reclamam que o dinheiro não chega para a base, a iniciação. Os atletas jovens só vão receber recurso quando conseguirem um grande resultado nacional".

"Se, por um lado, o governo abre seus cofres e abarrota o esporte de recursos, de outro, ele é omisso. Não só em não participar da gestão desses recursos como também em não fazer política pública de esporte. O que quer dizer isso? Nós não temos hoje a educação física na escola, que é o ponto de partida para identificar um atleta. Nós temos no Brasil 33 milhões de crianças em idade escolar. Se pegássemos 0,1% desse contingente, teríamos o potencial enorme de 33 mil crianças para poder identificar ali possíveis talentos no esporte".


"Não temos renovação da equipe. Ficamos apostando nas mesmas modalidades e nos mesmos nomes. A vela, o vôlei, o futebol, a natação... ".

"No Brasil nossos eventos são muito fracos, vivemos competindo com nossos próprios atletas. O atletismo ainda vai pra fora, mas faz isso muito pouco. No Brasil, o governo tem de assumir sua parte. Se você pegar Cuba e EUA, que são dois extremos em vários sentidos, vai ver que eles têm algo em comum. Tanto em Cuba quanto nos EUA, o esporte começa na escola, assim como nos países comunistas. Não que a escola tenha a obrigação de formar o atleta, mas é lá que se pode identificar se ele pode ser do atletismo, da natação ou do tênis de mesa. Nós não temos isso no Brasil, uma falha que vem de muitos e muitos anos. Na Europa, a escola é outra: é o clube. No Brasil nós já tivemos clubes sociais que faziam esse papel de acolher o atleta. Hoje contamos nos dedos os clubes que fazem isso, porque a maioria decidiu dar prioridade ao seu associado em detrimento do atleta. Nós vivemos essa incongruência de termos recursos e não termos política, objetivos e projetos".

"Toda essa estrutura do esporte que, pela Lei Pelé, se chama sistema nacional do esporte, tem de ser participativa. Hoje a coisa está muito concentrada na mão do Comitê Olímpico Brasileiro. Eles têm de descentralizar esses projetos, que, aliás, não são de curto prazo. Mas a questão é a seguinte: quando esse atleta for identificado para a prática de determinado esporte, vamos encaminhá-lo para onde? Qual a instituição no Brasil que vai absorvê-lo para fazer esse treinamento de nível olímpico? Não temos. O que a Austrália fez em 2000, criando os centros de esporte, o que a China fez, o que Barcelona fez, o Brasil não fez".

"Se não é formador de atleta, o esporte é no mínimo formador de caráter. Nos projetos sociais dá pra ver onde estão aqueles atletas que têm potencial. Temos 1.550AABBs (Associação Atlética Banco do Brasil), uma área física disponível para esporte espetacular, e ela é desprezada pelo próprio governo".

"A imprensa brasileira é muito alvissareira, muito torcedora antes de ser analista e crítica. Agora mesmo tivemos vários recordes sul-americanos na natação de atletas que não foram nem para a final. Somos tão inexpressivos em nossas marcas que um recorde sul-americano não vale uma final em determinadas provas. Não que a gente não tenha potencial. Mas é aquilo que disse o César Cielo: está faltando prova forte no Brasil. No contexto geral, temos de nos perguntar: nossos técnicos estão preparados adequadamente? As confederações têm de trazer eventos fortes com calendários fortes, senão vamos continuar com nossos atletas competindo contra os mesmos. Isso não dá parâmetro nenhum".

"Não é raro ver os desmandos feitos com o dinheiro do esporte. No próprio Pan, do Rio, isso aconteceu. O TCU conseguiu identificar o superfaturamento de um equipamento para identificar crachás de 16.000%. Não foram 16%! Mais recentemente identificaram vários serviços que foram pagos com dinheiro público e não foram prestados, vários produtos comprados e não entregues. O ministro Marcus Vilaça vai apresentar um relatório no TCU mostrando que os auditores encontraram mais de 250 caixas com aparelhos de ar condicionado fechadas, pagas e não instaladas. Ou iam ser devolvidas para a empresa, ou iam vender para o mercado negro. Este é o país que quer sediar a Olimpíada".

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