sexta-feira, 3 de novembro de 2006

Eles



Viviam nas planícies à procura do próximo dia. Aprenderam a caminhar distâncias magníficas, em grupo, ordenadamente, numa cadência em sintonia com a sobrevivência. Aprenderam a matar a carne vermelha, a manipular a luz ardente, a conduzir o crescimento do verde, a construir cavernas.

Aprenderam a repartir, pois repartindo todo o conjunto agregaria força. É um raciocínio lógico e primário: se houver equilíbrio entre as potências individuais, têm-se uma bela média geral. Se a composição for de alguns extraordinários acompanhados de vários medíocres, a média geral será inadequada para a violência do mundo. O equilíbrio não produz nem super-homens nem ratos, simplesmente cria seres corajosos e preparados o suficiente para a batalha do viver.

Aprenderam a emitir sons organizados, memorizados previamente, rapidamente compreendidos e que impulsionaram o seu potencial futuro. A denúncia do risco inato e a capacidade de câmbio intelectual foram sobremaneira aceleradas.

Aprenderam a identificar o medo no rosto alheio. Descobriram que as fraquezas, antes soterradas em cavernas singulares, eram coletivas. Conseguiram então manipular o poder através da persuasão, e não mais somente da imposição oblíqua e ligada à matéria. Aqui se iniciou o mal previamente arquitetado, fruto de uma cadeia lógica de raciocínios. A razão ultrapassou o barrento e primitivo instinto.

Aprenderam a arte de amar, aquela que se preocupa com o prazer e não é somente uma humilde serva da perpetuação natural. Criaram a conquista, o flerte esguio que vive nas esquinas dos olhares, escravo irrevogável da simulação. A atuação do amante não carrega em seu corpo a sinceridade, tudo não passa de uma atuação, onde as virtudes se fazem tão brilhantes como o Sol e os defeitos são trancafiados no porão da alma.

Aprenderam ainda muito mais. Mas não aprenderam o essencial. Aqueles seres não concluíram que eram insignificantes, que não eram sagrados, que não podiam se considerar únicos e puros. Não conseguiram admitir que o apodrecimento da carne é inevitável e simplesmente marca o fim de um ciclo biológico, nada mais.

Agora, vivem embasbacados à procura do inalcançável, a glória da eternidade. Continuarão a procurar, sempre, exaurindo sua energia em algo inócuo. Se todos se preocupassem em encontrar a glória aqui mesmo, na terra marrom e espinhenta, suas mentes seriam mais produtivas para a evolução do todo. Assim, não destruiriam o que aqui germinou confortando-se com a maciez de um improvável firmamento.

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