terça-feira, 6 de março de 2007

E a vida continua...



Então agora devemos todos debater, com ar pomposo e de alta sabedoria, o problema da segurança pública nacional. Basta um caso, dos mais execráveis, diga-se, para que a comoção nacional empurre todos na direção da exaltação, do linchamento público dos culpados, dos discursos acalorados, porém quase sempre vazios. Não é dessa maneira que um problema tão grave é solvido, não é saudável a criação de mártires nessa seara, como a mídia fez com o menino João Hélio.

Primeiramente, espanta assistir a mobilização da sociedade somente a partir de acontecimentos pontuais, que envolvem quase sempre a classe média e alta. Aqui não desdenho do ocorrido ao garoto, vítima de uma atrocidade selvagem, mas critico o comportamento tão passivo de todos ante a violência sofrida diariamente pelos habitantes das áreas periféricas, reinos onde o poder é imposto pelo calibre mais potente. Lá, onde a vista só chega através das câmeras, muitos João Hélios são mortos diariamente. Não cabe discutir qual maneira de se matar é a mais bárbara, pouco importa. O importante é termos consciência que a população de baixa renda almoça o chumbo do crime diariamente.

Gostaria de ouvir vozes indignadas quando garotos favelados são mortos pela polícia, que oferece sempre a mesma justificativa: troca de tiros com traficantes. A imprensa não procura apurar corretamente o ocorrido, muitas vezes inocentes são fuzilados pelo Estado. Agradar-me-ia ser convocado para uma manifestação quando uma bala perdida perfurasse o crânio de uma criança de dois anos, que dormia em seu berço dentro do barraco de madeira e lona que seu pai conseguiu construir. Ficaria satisfeito assistir aos acadêmicos, políticos e membros da sociedade civil organizada iniciarem um debate construtivo em razão da prisão de inocentes, pobres, que vêm sua vida, sua moral e sua dignidade serem estraçalhadas pelo sistema prisional brasileiro, tudo porque não dispunham de recursos para arcar com as despesas de um bom advogado. E sentiria imensa alegria ao presenciar a mídia se mobilizar com tal afinco em defesa desses transparentes cidadãos de segunda ou terceira classe, impotentes, sem voz, sem autonomia, sem direitos.

Volto a repetir, aqui não faço troça do ocorrido ao garoto, e acho sadio que o debate, ao menos aparentemente, ganhe contornos mais sólidos. Mas me entristece a perspectiva de que tudo isso seja esquecido, até que a os dez ou quinze por cento mais abastados voltem a sofrer um golpe horrendo da violência. Enquanto isso, aqueles que possuem os tiros como despertador que suportem a sua vida tocada no fio da navalha.

Nenhum comentário: