domingo, 30 de dezembro de 2007

Uma História de Natal


Eu nunca estive no sertão, mas mesmo assim vou contar uma história de natal que lá se passou. No meio daquela terra rachada havia uma casinha feia, mal acabada, pequena e desconfortável. Essa casinha, como de praxe, acolhia dez pessoas onde mal cabiam três. Era afeiçoada às celas dos presídios brasileiros, em que até o sono é escravo de uma fila.

Bem, nesse local miserável vivia um menino, que compartilhava sua falta de fortuna com seus irmãos mais velhos e com seus pais, já bastante debilitados pela simples falta de recursos básicos, como água e comida. O nome do menino eu não sei, mas pouco importa, como ele há outros tantos, todos engolidos pelo calor dilacerante do abandono e da falta de atenção por parte das autoridades e da sociedade.

O menino não sabia o que era natal. O seu pai havia acordado com a mãe que nenhum dos filhos conheceria o que se passa nessa data. O motivo é que nem em um milhão de anos eles poderiam comprar presentes, preparar uma farta ceia, trazer ao seu teto amigos para compartilharem o nascimento de Jesus. Não queriam impor aos corações de suas crias um desgosto tão precoce. Porque quando se é criança, por mais rude que seja o ambiente ao redor, ainda é possível viver feliz, na fantasia inerente à mente infantil que consegue digerir até mesmo a fome. Mais tarde é que toma assento a decepção, a noção de sofrimento, o esmagamento da auto-estima. Os filhos tomavam conhecimento do natal, da maneira como o comemoramos, por volta dos 12, 13 anos, idade em que iam até a cidade mais próxima (110 quilômetros) com o pai vender os parcos produtos que ali brotavam. A essa altura já podiam suportar a infelicidade de terem nascidos naquela terra espinhosa.

A família era católica, devota fervorosa dos santos que arrefecem as pauladas da pobreza. No 25 de dezembro apenas rezavam em homenagem ao nascimento de Jesus, com a esperança de que ele atendesse seus chamados e lhes concedesse a tão esperada e afortunada graça divina. Até aquele natal nada ainda havia descido pelas escadarias do Céu, mas continuavam esperando e crendo. Desta feita, amontoavam-se todos em frente a uma imagem de barro e assim demonstravam seu respeito e sua reverência ao sagrado. Nesse dia os únicos que trabalhavam eram o pai e filho mais velho. De certa maneira, esse era o presente do patriarca para sua prole, um dia de descanso.

Mas nesse natal o inesperado aconteceu. Ao longo do trilho que levava até a porta do casebre apontou uma carroça, com vários pacotes como carga e guiada por um ser rechonchudo, vestido de vermelho, acompanhado por mais duas pessoas. O pai encontrava-se àquela hora na lavoura, que ficava próxima da casa, ceifando a plantação seca e miúda. Quando avistou a carroça ficou sem entender o porquê daquela vinda, mas como era o responsável por todos, foi rápido de encontro ao transporte.

A ele foi explicado que aquilo era uma ação de uma Ong, que vinha distribuir presentes às crianças carentes do sertão. O pai mirou bem os olhos do sujeito vestido de Papai Noel e, secamente, disse que não permitiria que seus filhos recebessem presentes. Argumentou que, pior do que seus filhos nunca ganharem nada, seria ganharem daquela vez para depois ficarem novamente desassistidos, alimentando uma esperança tola e inútil de que o natal brilharia novamente por ali.

Após terminar sua fala, o pai percebeu que o caçula encontrava-se próximo da carroça. Ele tinha escutado todo o diálogo. Seus olhos brilhavam como duas centelhas, vendo todos aqueles embrulhos maravilhosos, coloridos, recheados de surpresas que ele nunca poderia imaginar o que eram. Sem a menor comoção, o pai virou-se e disse-lhe, não por maldade, mas por apego à realidade:

- Volta pra dentro agora antes que eu te dê uma sova.

Ele voltou, cabisbaixo, com as lágrimas a inundar seus olhos. O pai despediu-se dos homens da carroça e adentrou o casebre. Puxou o menino pelo braço, colocou-o no colo e falou:

- Num se avexe. Nossa vida é assim. Nós num tem direito de ganhá presente. Deus quis que nós só panhasse os embrulho do chão.

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