domingo, 15 de fevereiro de 2009

Parada: Belém

Então, falemos de Belém. Terra da Fafá, do açaí, do tucupi, do tacacá, da maniçoba. Terra da dança que mistura instrumentos indígenas, batuques africanos e algo de música portuguesa, o carimbó. Terra do Mercado Ver-o-Peso, da Casa das Onze Janelas, do Forte do Presépio, da Catedral da Sé e de Nazaré. Terra da Praça da República e do Teatro da Paz. Terra do Bar do Sr. Santiago, do Rainhas´s Bar, do Bar Tapioquinha. Terra das ruas estreitas e escuras do centro histórico, onde me hospedei em um lugar singular, o Hotel Fortaleza (R$ 15 diária), comandado com mãos de ferro pela grande Dona Isabel. Terra da Cabanagem, levante popular iniciado na década de 1830 em que negros, índios e mestiços tomaram o poder no Pará logo após a independência, numa ação contra a miséria e contra o jugo das elites do sul. Belém, uma cidade com personalidade própria, que leva a alcunha de "Metrópole da Amazônia", mesmo sendo menor que Manaus (1,4 milhão contra 2 milhões).


Eu gostei do que vi aqui. Minha percepção foi a de uma cidade agradável, com comércio variado e opções de lazer diversificadas. Um ponto positivo de Belém é sua história, que legou à cidade construções imponentes e realmente bonitas, como o Palácio Lauro Sodré, atual Museu do Estado do Pará. A opulência do interior do Palácio mostra quão rica foi a cidade no passado. Há um bom número de praças, aparelho urbano do qual sinto muito falta em várias cidades ditas mais desenvolvidas, como Belo Horizonte.


Problemas? Claro, aqui eles florescem como os açaizeiros. Novamente o lixo nas ruas é algo preocupante, ainda que em menor grau que Manaus. Já os passeios da cidade têm donos, os camelôs, que com suas bancas obrigam os pedestres a caminharem na rua, principalmente pelo centro histórico. A conservação de muitas construções antigas é precária, impregnando uma feição de abandono a diversas casas charmosas, que poderiam embelezar sobremaneira inúmeras partes da cidade.


Destaco aqui um problema que os belenenses gostam de ressaltar: a falta de segurança. Todos, sem exceção, alertaram-me para o perigo das ruas da capital, principalmente à noite. Bem, hospedado no centro histórico, porção da cidade avaliada como muito perigosa, percorri ruas escuras madrugada adentro e nada aconteceu. Mas não subestimo os hablocs (sigla do exército que quer dizer "habitantes locais"), pois não haveriam de denegrir a imagem de sua própria cidade gratuitamente.


Falemos de um programa que realizei reiteradamente: bebericar uma gelada no Mercado Ver-o-Peso. O Mercado surgiu em 1688, às margens do Rio Guajará, e lá se encontra de tudo. Comida, bebida, roupas, frutas, peixes, sementes, artesanato, poções mágicas, temperos e sabe-se lá o que mais. Os belenenses afirmam ser a maior feira a céu aberto da América Latina. É uma diversão sem igual beber no Mercado, pois a todo momento você se depara com uma figura mais engraçada que a outra. A comida é boa, variada, e o visitante pode se deliciar com genuínos pratos regionais . O barulho das vozes misturadas é sem igual, uma grita ininterrupta em meio a gargalhadas sinceras. É gente rindo com gente, como diria nosso saudoso Quintão. Pela noite, por ser uma área portuária, as meninas que lá perambulam são comerciantes que trabalham com afinco na batalha pela sobrevivência. São simpáticas, gostam de filar uma cerveja, como em todo lugar, e estão sempre dispostas. Quão bonitinhas elas são! O Ver-o-Peso é onde o turista pode viver um pouco da realidade da cidade e descobrir de que são feitos os habitantes de Belém.

Para mim, a população belenense se mostrou acolhedora, tranquila, com os mesmos traços que encontrei nos habitantes em geral do Norte. Mais uma vez o ritmo de vida me impressionou. A correria tradicional dos grandes centros do Sul dá passagem a uma "preguiça" gostosa que alivia a vida na cidade grande.


Aqui na capital paraense estive por três dias com Curió e Massakiro. Uma coisa eu digo: se esses dois refletem a nova geração japonesa, tudo que pensamos dos nipônicos (trabalho incessante, sisudez, falta de graça, respeito às regras etc) vai por água abaixo. São transgressores os safados. Massakiro gosta de goró e puta como mineiro de pão de queijo e cachaça, e Curió só quer saber de tranquilidade, se é que me entendem os senhores. Agora eles rumaram para o Nordeste, Fortaleza, e que tudo dê certo para a dupla Spectroman e Jaspion, pois se der errado eles estão fodidos!


Conheci um sujeito muito pirado em Belém. É um francês, Lionel, criado na periferia de Paris e ex-morador de Madagascar, que há três anos vive em São Paulo, ilegalmente. Lionel fala um português desenvolto, mas ainda carregado com seu sotaque. Sinceramente, o nobre é daqueles estrangeiros que vêm para o Brasil e se apropriam da metade perdida dos brasileiros. O sujeito é um falador por excelência, sendo que bastou uma semana de Ver-o-Peso para conhecer todos os donos de barraca e todas as moças que por ali giram a bolsa. Impressionante, se fosse político iria eleger-se fácil. Seu principal meio de sustento no Brasil são as aulas de francês. Mas como bom malandro, tenta ganhar um trocado com várias atividades. Por exemplo, acompanhei-o por inúmeros estúdios de tatuagem de Belém, vendendo piercings. Só nessa vi ele faturar fácil R$ 200. Ele trouxe de São Paulo os produtos e vendeu aqui pelo triplo do que comprou.


Lionel não vê os pais há 22 anos e saiu da França porque lá sua vida terminaria ou na cadeia ou num caixão precoce. É, ele se envolveu com o escambo daquilo que vocês estão imaginando. Chegou a perder todos os dentes devido ao vício. Mas agora já está recuperado o distinto.


Segundo ele, o jeito extrovertido e provocador foi adquirido na periferia de Paris e em Madagascar. Eu completei, dizendo que agora ele faz pós-graduação no Brasil. Eita sujeito que gosta de zoar, conhecidos e desconhecidos, tanto faz. Seus alvos preferidos são franceses e hippies. Não gosta dos franceses porque os acha chatos e metidos, e dos hippies porque os tem como idiotas, com ideias fechadas e ultrapassadas.

Lionel foi uma figura que valeu a pena conhecer. E, caso você leia isso Lionel, Cléia manda notícias.

Belém recebe muitos turistas estrangeiros. Em decorrência do Fórum Social Mundial, os gringos entupiram ainda mais a cidade. São visitantes de todas as partes do mundo, mas espantou-me o número de franceses, conheci vários, uns 15 no mínimo.

Resolvi chegar à cidade após o Fórum para vivenciar a sua normalidade. Durante o encontro, estou certo que a impressão que Belém passaria seria distorcida. Outro motivo é que ando meio avesso a grandes concentrações humanas. Muita gente é sinônimo de muita bagunça, invariavelmente.

Chamou minha atenção a vontade que os jovens europeus têm de consertar as coisas erradas por aqui. Conheci vários que questionavam nossos problemas, coisa que vários brasileiros não fazem. Eles se mostraram realmente preocupados com as mazelas tupiniquins. A única ressalva é que muitas vezes tinham opiniões formadas sobre certas questões que não conheciam. Algumas de nossas disorções nem nós, brasileiros, sabemos de onde vêm. Não será um estrangeiro com alguns meses de Brasil que poderá saber.

Por fim, digo que valeu muito a pena a estada em Belém. Visitei lugares muito bonitos, me diverti e conheci pessoas de todos os cantos da cidade, do país e do mundo. O passeio está recomendado!

Hasta!

PS: Se tivesse que escolher entre Manaus e Belém, ficaria com Belém.

Um comentário:

Anônimo disse...

tinha um amigo que sempre dizia:

nao confunda pato ao molho de tucupi,
com entupir o olho do cu do pato!

hauhauhauhauhauha