terça-feira, 31 de julho de 2007

Última Chamada


- E então, como andam as coisas?
- Não sei se posso dizer que tudo caminha bem, acabo de chegar e ainda não sei nada sobre o lugar.
- Não se preocupe, é bastante incomum alguém chegar aqui e não gostar de nossos ventos.
- Pode até ser, mas pelo que consegui ver até agora... lá sei se o ambiente é mesmo acolhedor, e, importantíssimo, à prova de rotina. Afinal, creio que permanecerei pelas redondezas muito tempo.
- O que viu até agora?
- Sinceramente, algumas coisas bem estranhas. Alguns grupos seguindo em fila indiana, trajados todos com roupas flutuantes, preenchidas por uma cor ainda desconhecida no local de onde acabo de chegar.
- Algo mais?
- Todos aqui parecem cantar, sim, um canto estranho, que alguns radicais podem até mesmo considerar chato.
- Saiba que aqui esse canto se intrometerá em seu dia a dia, e quando menos esperar, estará você também cantando, da mesma maneira que todos.
- Alguma explicação para o fato?
- Claro, nada aqui é acaso, tudo é pensado e testado. Cantando, nossos hóspedes falam menos, elaboram poucas perguntas, relaxam, apreciam o brilho intenso e reconfortante da maravilha que plaina eternamente sobre nossas cabeças. Cantando, pode-se suportar o infinito de maneira mais branda, mais submissa, e não desesperar-se como vários que aqui chegaram.
- O que quer dizer? Já houve rebeliões por estas bandas?
- Rapaz, vejo que ainda não adquiriu os olhos necessários para enxergar em nosso breu. Realmente é muito difícil detectar os pontos negros num mar de luz como esse.
- Entendo. Como se lida para neutralizar uma rebelião desse teor?
- Não lidamos com a rebelião, apenas transferimos os revoltosos para baixo. Lá encontrarão o que procuram. É uma escolha, simplesmente isso. Quem quer ficar automaticamente se alinha às atividades possíveis aqui. Lá, outros acontecimentos têm vez. A maioria das lendas sobre os dois locais são, em sua maior parte, verídicas.
- Sempre duvidei disso.
- Pois veja agora quantas de nossas certezas são tão sólidas quanto algodão.
- É, tem razão. Mas a dúvida ainda queima, saiba você. Aliás, eu o chamo dessa maneira, você, ou mereces tratamento oficial?
- A maneira como me chama não importa, o que tem valor é saber que eu direciono as rédeas dessa carruagem.
- Isso eu já esperava. Todos, os que conhecia e que não conhecia, tinham temor e respeito ante seu nome. Eu, particularmente, nunca o desrespeitei, apenas libertei meus pensamentos. Mas, como já estavam em minha cabeça, não ia adiantar mesmo guardá-los lá.
- Não, engana-se. Esta lenda é falsa, não leio mentes, interpreto ações. E saiba que seus discursos realmente chegaram até meus ouvidos. Porém, não se aflija, a revanche ou a vingança não fazem parte de meus meios. Minha consciência nada interfere no meu trabalho.
- Certo, certo. Mas o fato é que ainda não decidi o que fazer. A minha passagem pelo seu concorrente foi impressionante. Fui apresentado a novidades que arrebataram minha lógica, minha razão. Aqui, tudo corre em passos mansos, muito mansos.
- Seu tempo esgotou-se. E então, permanece aqui ou não? E lembre-se, não meça o futuro, que, como sabe, será longo, por tudo aquilo que viveu anteriormente. Última chamada para onde o bem-estar reina absoluto. Embarcas?
- Com todo respeito, nem que... !