Era um casal como todos os outros que caíram no redemoinho da rotina. Às vezes brigavam, se ofendiam, despejavam insultos que no fundo queriam ser ditos há muito. O amor era morno, feito mais por obrigação que por prazer, rápido e sem suor. O que ainda os unia, obviamente, eram os filhos, três crianças com idades entre três e sete anos. Viviam numa cidade de tamanho médio, onde os habitantes muitas vezes não se cumprimentam na rua, mas todos sabem quem é quem.
O marido trabalhava numa fábrica de lâminas de aço. Era freqüentador assíduo de bares e prostíbulos, alcoólatra, desligado do mundo, conectado ao copo e às raparigas. Não usava preservativos no trato com as prostitutas, e isso foi o início da ruína de seu casamento. Certa vez, contaminou a esposa com uma doença venérea, fato que tornou impossível a manutenção da hipocrisia monogâmica naquele lar. Depois disso, a distância entre os dois transformou-se num abismo intransponível.
A esposa, como mandava o figurino, cuidava da casa, dos filhos e da vida alheia em sua vizinhança. Masturbava-se como nunca para suprir seu desejo, que sempre foi intenso. Passou a se interressar por Carlos, seu cunhado, presença freqüente naquele lar. Na verdade ela nunca havia saboreado realmente o casamento, pois este se deveu a uma gravidez inesperada. Mal sabia que o matrimônio, seu redentor ante os olhos das ruas, tornar-se-ia seu frio e impassível executor.
Num sábado, pela tarde, Carlos bateu à porta em busca de seu irmão. Ela o atendeu trajando uma camisa branca e um minúsculo short que expunha generosamente suas belas pernas e sua bunda empinada. Disse que o marido estava no bar e convidou seu cunhado para uma xícara de café. Claro, o convite continha primeiras, segundas e terceiras intenções.
Conversavam sobre futilidades quando inesperadamente a mulher arrancou a camisa e atirou-se nos braços de seu cunhado. Ele reagiu tentando evitá-la, afastando-a com certa violência. Ela voltou a tentar abraçá-lo, desgraçadamente a porta se abriu.
O marido entrou pela sala e presenciou a cena. Sua mulher, com os seios à mostra, próxima, muito próxima ao rosto do irmão. Sua feição exibia um misto de perplexidade e ódio, seus olhos refletiam a silhueta da morte. Não houve tempo para explicações, ele não escutou os apelos de Carlos e muito menos os da “vagabunda”, única palavra que repetia nervosamente. Sentiu-se pequeno, rejeitado, humilhado. Era como se de repente o que nunca foi valioso passasse a comprar até mesmo sonhos.
De arma em punho, apanhada com voraz velocidade em seu quarto, fez com que se ouvissem seis estampidos. Quatro tiros se acomodaram na cabeça e no tronco da esposa, dois se enraizaram no olho esquerdo e no pescoço do irmão. Agora dois corpos coloridos de sangue ocupavam o chão da cozinha. Pegou uma faca de bom fio e os partiu em pequenas porções, calmamente.
Havia assistido a um filme de gângsteres, onde aprendeu que os porcos devoram facilmente a carne e os ossos humanos, só não conseguindo digerir os dentes. Foi até uma propriedade rural nas redondezas da cidade e comprou um suíno de bom tamanho, rosado, para que este degustasse as provas de seu crime. Acomodou-o no quintal. Planejou matá-lo no natal, que chegaria dentro de dois meses. Os dentes foram posteriormente jogados numa caldeira da fábrica onde trabalhava.
Contou à polícia a crise pela qual seu casamento passava, adicionou que desconfiava em larga medida de um romance entre sua mulher e seu irmão. Inventou pequenos fatos que alimentavam suas dúvidas. Concluiu que eles fugiram para algum lugar distante a fim de viverem seu relacionamento às abertas, deixando-o com as crianças e a amargura da traição. Nem a polícia nem as famílias conseguiram chegar a uma conclusão concreta. A falta completa de notícias se mostrou estranha, mas não havia outra hipótese plausível para aquele desaparecimento.
Chegado o natal, o traído fez questão de reunir seus pais e os de sua esposa, além de várias outras pessoas de ambas as famílias. Quando o badalar do relógio denunciou a meia-noite, ele foi até a cozinha e regressou com um porco assado, suculento, gordo e brilhante. Todos comeram de maneira exagerada, tamanho o sabor delicioso da refeição. Em meio aos comentários tolos sobre tudo o que havia se passado, alguém, após arrotar, comentou:
- Que tempero maravilhoso Jonas!