segunda-feira, 21 de agosto de 2006

O Delicioso Sabor de um Porco



Era um casal como todos os outros que caíram no redemoinho da rotina. Às vezes brigavam, se ofendiam, despejavam insultos que no fundo queriam ser ditos há muito. O amor era morno, feito mais por obrigação que por prazer, rápido e sem suor. O que ainda os unia, obviamente, eram os filhos, três crianças com idades entre três e sete anos. Viviam numa cidade de tamanho médio, onde os habitantes muitas vezes não se cumprimentam na rua, mas todos sabem quem é quem.

O marido trabalhava numa fábrica de lâminas de aço. Era freqüentador assíduo de bares e prostíbulos, alcoólatra, desligado do mundo, conectado ao copo e às raparigas. Não usava preservativos no trato com as prostitutas, e isso foi o início da ruína de seu casamento. Certa vez, contaminou a esposa com uma doença venérea, fato que tornou impossível a manutenção da hipocrisia monogâmica naquele lar. Depois disso, a distância entre os dois transformou-se num abismo intransponível.

A esposa, como mandava o figurino, cuidava da casa, dos filhos e da vida alheia em sua vizinhança. Masturbava-se como nunca para suprir seu desejo, que sempre foi intenso. Passou a se interressar por Carlos, seu cunhado, presença freqüente naquele lar. Na verdade ela nunca havia saboreado realmente o casamento, pois este se deveu a uma gravidez inesperada. Mal sabia que o matrimônio, seu redentor ante os olhos das ruas, tornar-se-ia seu frio e impassível executor.

Num sábado, pela tarde, Carlos bateu à porta em busca de seu irmão. Ela o atendeu trajando uma camisa branca e um minúsculo short que expunha generosamente suas belas pernas e sua bunda empinada. Disse que o marido estava no bar e convidou seu cunhado para uma xícara de café. Claro, o convite continha primeiras, segundas e terceiras intenções.

Conversavam sobre futilidades quando inesperadamente a mulher arrancou a camisa e atirou-se nos braços de seu cunhado. Ele reagiu tentando evitá-la, afastando-a com certa violência. Ela voltou a tentar abraçá-lo, desgraçadamente a porta se abriu.

O marido entrou pela sala e presenciou a cena. Sua mulher, com os seios à mostra, próxima, muito próxima ao rosto do irmão. Sua feição exibia um misto de perplexidade e ódio, seus olhos refletiam a silhueta da morte. Não houve tempo para explicações, ele não escutou os apelos de Carlos e muito menos os da “vagabunda”, única palavra que repetia nervosamente. Sentiu-se pequeno, rejeitado, humilhado. Era como se de repente o que nunca foi valioso passasse a comprar até mesmo sonhos.

De arma em punho, apanhada com voraz velocidade em seu quarto, fez com que se ouvissem seis estampidos. Quatro tiros se acomodaram na cabeça e no tronco da esposa, dois se enraizaram no olho esquerdo e no pescoço do irmão. Agora dois corpos coloridos de sangue ocupavam o chão da cozinha. Pegou uma faca de bom fio e os partiu em pequenas porções, calmamente.

Havia assistido a um filme de gângsteres, onde aprendeu que os porcos devoram facilmente a carne e os ossos humanos, só não conseguindo digerir os dentes. Foi até uma propriedade rural nas redondezas da cidade e comprou um suíno de bom tamanho, rosado, para que este degustasse as provas de seu crime. Acomodou-o no quintal. Planejou matá-lo no natal, que chegaria dentro de dois meses. Os dentes foram posteriormente jogados numa caldeira da fábrica onde trabalhava.

Contou à polícia a crise pela qual seu casamento passava, adicionou que desconfiava em larga medida de um romance entre sua mulher e seu irmão. Inventou pequenos fatos que alimentavam suas dúvidas. Concluiu que eles fugiram para algum lugar distante a fim de viverem seu relacionamento às abertas, deixando-o com as crianças e a amargura da traição. Nem a polícia nem as famílias conseguiram chegar a uma conclusão concreta. A falta completa de notícias se mostrou estranha, mas não havia outra hipótese plausível para aquele desaparecimento.

Chegado o natal, o traído fez questão de reunir seus pais e os de sua esposa, além de várias outras pessoas de ambas as famílias. Quando o badalar do relógio denunciou a meia-noite, ele foi até a cozinha e regressou com um porco assado, suculento, gordo e brilhante. Todos comeram de maneira exagerada, tamanho o sabor delicioso da refeição. Em meio aos comentários tolos sobre tudo o que havia se passado, alguém, após arrotar, comentou:

- Que tempero maravilhoso Jonas!