Trabalhava como copeira em um prédio luxuoso da cidade. Para chegar ao trabalho, tinha que acordar às quatro da manhã, tomar dois coletivos e ainda caminhar por vinte minutos. Saía de casa sem comer nada, pois a pouca comida era destinada ao café da manhã de seus filhos, mantidos com muito esforço na escola pública da periferia onde vivia. Seu marido há muito a abandonara, se para o bem ou para mal não sabia, violento alcoólatra que era.
Chamava-se Lúcia. Já ultrapassara a barreira dos quarenta anos, porém aparentava muito mais devido ao corpo franzino e encurvado, ao cabelo ralo e desarranjado e à face profunda, vincada e sofrida. Muitas vezes já havia pensado em desistir, mas o instinto materno nessas horas sempre prevalecia.
Num dia qualquer, melancólico como todos os outros, adentrou o hall térreo do rico prédio onde trabalhava e notou que o porteiro, nordestino e desafortunado como ela, não se encontrava em seu posto. Pela primeira vez em sua vida resolveu ousar, ir contra as regras que sempre lhe foram impostas, sentir-se gente.
Em dez anos de serviço, nunca havia apertado o botão do elevador social. Aos subalternos, como de praxe em todos as moradas suntuosas, era reservado o elevador de serviço. Apertou-o agora. Sentiu pela primeira vez a sensação de poder, e gostou.
Caminhou de cabeça erguida elevador adentro, notou um cheiro perfumado que tomava conta do ar. Cheiro das madames, raciocinou. Depois, pomposamente, levou o dedo indicador direito ao número dez do painel, andar em que trabalhava.
A subida iniciou-se e alguns segundos depois ouviu em estalo muito forte, como se algo estivesse se partindo. Mais um pouco e de novo o estranho barulho. Não havia passado do segundo andar e deu-se com a coisa: o cabo de sustentação do elevador estava se partindo. Assim que completou seu pensamento, iniciou-se a queda brusca.
O elevador, juntamente com Lúcia, espatifou-se no fosso do prédio. Amontoaram-se o ferro retorcido e o corpo dilacerado da copeira. Morreu no elevador social, sem ultrapassar sequer o segundo andar.